Dia Mundial da Poesia



Bairro Ocidental
Manuel Alegre
FLOR DE LA ROSA

Digo Flor de la Rosa e estou a entrar em Goa
trazendo a bordo moribundo Afonso de Albuquerque.
À vista da cidade ele dirá: «Credo.»
E nada mais dirá. Trazemos às costas
um império a morrer e há
em nós um pouco desse homem imponente
que já morto vai ser passeado como um rei pelas ruas de Goa.
O sonho que leva colado à pele
já não cabia em Lisboa.
O que morre com ele é mais do que ele.

Poemas para Leonor
Maria Teresa Horta
SINAIS

Quanto mais
pesquiso e te procuro
mais tu baralhas os sinais

Com os passos
de andares na tua vida
Palavras de traçares

Mapas astrais


Vagas e Lumes
Mia Couto
INCERTIDÃO DE ÓBITO

Quando forem de pedra
os teus olhos:
uns te darão por falecido.

Quando forem de fogo
os insetos que te devoram:
talvez então te digam defunto.

[...]

Rua de Nenhures
Pedro Tamen
2.

Cantas. Não sei bem onde,
mas atravessas as paredes da casa
e do coração. O amor indetectado
lança notas da música da terra
– não a das estrelas, que não há

Cantas. E o universo é uno,
é uno neste verso.






Animais Feridos
António Carlos Cortez
NADA RESTA

Terra antiga Nada resta... Nada...
A estrada de areia é arame farpado
(cenas de quanto ardeu na vida
... um barco no rio agora estilhaçado)
e Lisboa dorme ou morre?
Nos seus prédios de pedra
atira-se contra a rebentação
e um tubarão de rumores ocultos
de ritmo tentacular absorve o impacto
a lentidão com que morremos na cidade


A Matéria do Poema
Nuno Júdice
POEMA

Se o sol se atravessa no caminho de um homem, a luz pode empurrá-lo para o sonho. Então, fecha os olhos; espera que as imagens se apaguem do seu horizonte; e entra no vazio que a treva lhe oferece. O sol, porém, continua a brilhar. E ele insiste em manter os olhos fechados. Anda, com passos hesitantes, num caminho de luz; as mãos procuram um apoio na sombra que não encontra. E quando volta a abrir os olhos, os sonhos continuam à sua frente, como se fizessem parte do seu destino.
[...]




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